O empresário, investidor e palestrante Allan Costa, 44, ficou só 40 dias em seu último emprego, no qual ganharia um salário de R$ 900 mil ao ano.

Antes disso, ele trabalhou por 20 anos no Sebrae-PR, sete deles no posto de diretor superintendente da unidade estadual da instituição.

Sentindo que havia feito tudo o que poderia ali, aceitou convite para presidir a empresa Coopercard, de cartões de crédito, em 2011. Foi nesse cargo que ficou pouco mais de um mês.

Segundo ele, chegar em um emprego que o pagava um salário muito alto o fez perceber que não era mais dinheiro o que ele realmente queria.

“Além de estar envolvido nas mesmas rotinas que eu já tive no passado, ainda perdi muito do propósito que tinha em meu trabalho. Percebi que estava em uma atividade em que a grande motivação do que eu fazia era exclusivamente ganhar dinheiro.”

Costa, que abriu uma série de negócios desde então, incluindo empresas de palestras (Inspiradores), design (The Cave) , produtora de vídeos para internet (Looks Creative), marketing (B! Storytelling) e compliance (Etticca, de consultoria para adequações à legislação) para pequenas e médias empresas, conta que a transição não foi fácil.

Ele diz que a vida como executivo tinha muitas facilidades, como secretária, motorista e salário no final do mês. Mesmo assim, ele diz não se arrepender de ter deixado esses confortos:

“Empreender é uma atividade muito difícil no Brasil. Mas tem coisas que só o empreendedorismo faz por você. Ele dá a sua maior possibilidade de realização pessoal, de encontrar propósito na vida.”

Costa também se tornou investidor em empresas iniciantes, fazendo parte do fundo de investimento Harvard Angels, formado por brasileiros que estudaram na universidade dos EUA.

Em entrevista ao Plano de Negócios, Costa conta o motivo de ter tomado sua decisão, suas dificuldades na transição de executivo para empresário e dá dicas para quem quer seguir o mesmo caminho.

Segundo ele, se o interessado em empreender não tiver dinheiro para se sustentar sem seu salário por, pelo menos, dois anos, o mais indicado é não se arriscar.

costa também afirma que o empreendedorismo não é para todos. Além de vontade, é preciso ter tolerância ao risco, a instabilidade e encontrar coisas que, além de satisfazer o empreendedor, sejam de interesse do mercado.

Plano de Negócios – Por que deixou seu último emprego em 40 dias?

Allan Costa – Eu fiz uma carreira muito longa no Sebrae, de 20 anos. Entrei após sair da faculdade e fui evoluindo até chegar a diretor superintendente. Fiquei nessa posição por sete anos. Nesse tempo, fizemos coisas bacanas, demos capilaridade ao Sebrae do Paraná, atingimos mais empresas.

Mas, chegou uma hora em minha carreira, quando fiz 40 anos e entrei em processo de avaliação do que eu tinha pela frente, em que concluí que era a hora de mudar. Se eu continuasse como estava, a probabilidade de eu me aposentar naquela posição era muito grande.

Aceitei uma proposta para dirigir uma empresa no setor de cartões private labels (cartões de crédito com a marca de outras empresas). Fiz isso pensando que minha insatisfação era por estar há muito tempo no Sebrae.

Minha permanência lá durou 40 dias. Quando cheguei e comecei a desenvolver minhas atividades, vi que, na verdade, estava com um super salário, compatível com o de um presidente de empresa do setor financeiro, mas esse era o momento mais infeliz de toda minha carreira.

O que incomodava?

A sensação que tinha de que precisava encontrar novos desafios não desapareceu. Na verdade, aquilo se intensificou.

No Sebrae, embora estivesse dentro da rotina de um executivo, tinha muito claro um propósito no que eu fazia, apoiar pequenas empresas e empreendedores.

Na empresa para a qual fui, além de estar envolvido nas mesmas rotinas, ainda perdi muito desse propósito. Percebi que estava em uma atividade em que a grande motivação do que eu fazia era exclusivamente ganhar dinheiro.

Não que isso estivesse errado. Ganhar dinheiro é ótimo. Mas, para mim, naquele momento, não fazia sentido.

Eu vim de família humilde, do interior, cresci com a ideia de que eu tinha de me dar bem na vida, tinha de ter sucesso. Ter sucesso para mim era igual a ter dinheiro, minha carreira toda foi feita em cima disso. Quando cheguei lá e me vi infeliz, vi que dinheiro só não era mais suficiente. Isso me deixava com um vazio permanente.

Tive uma percepção de que, se eu não tomasse a atitude de largar os empregos tradicionais para empreender naquela hora, eu não faria mais isso. Estava com 40 anos e, se não aproveitasse naquela hora, meu ímpeto se acabaria.

Como começou essa sua busca por propósito?

Criei uma empresa de palestras e me tornei palestrante profissional. Conhecia muito bem esse mercado, contratava muitas palestras no Sebrae e identificava nele espaços que eu poderia preencher.

Isso se tornou algo significativo?

Exatamente. O retorno das palestras, além de ser financeiro, vêm das mensagens das pessoas que me escrevem enviando feedbacks. Muitas vezes agradecem por algo que falei, por alguma orientação que eu dei que mudou a vida delas.

Quando você vê que uma palavra que você diz pode impactar a vida das pessoas, isso para mim é propósito, me dá ânimo para levantar de manhã, mais do que a realização financeira me dá.

Não que ela não seja importante, não estou falando de fazer caridade. Mas eu desenvolvi a crença de que é possível fazer negócios que criem algo a mais do que a remuneração.

Eu sempre me pergunto, eu faria o que faço se não fosse ganhar dinheiro? Sempre que a resposta é não, me questiono se estou no lugar certo.

Empreender é uma atividade muito difícil no Brasil. Mas tem coisas que só o empreendedorismo faz por você. Ele dá sua maior possibilidade de realização pessoal, de encontrar propósito na vida.

Do ponto de vista pessoal, foi difícil fazer a transição?

Foi muito difícil. Por mais que tivesse uma carreira estável e uma boa rede de relacionamentos, uma coisa é você pensar nisso [começar a empreender], outra coisa é quando isso de fato acontece.

Por mais que a gente antecipe algumas coisas, outras só damos conta que vão mudar quando, de fato, acontecem.

A primeira vez que precisei tratar com um plano de saúde para autorizar um exame, não sabia fazer isso. Antes, tinha quem fizesse para mim. Quando precisei lavar meu carro, não tinha mais quem lavasse. A vida executiva nos cerca de uma estrutura que a gente perde quando decide empreender. Isso tem um impacto forte.

Outra coisa que foi difícil de reprogramar foi a questão da remuneração. Como executivo, todo dia 25 tinha salário na minha conta. Quando deixei de ter, isso trouxe uma necessidade de adequação.

Por mais que eu soubesse que não precisaria do dinheiro  no primeiro ou segundo mês, mudar o modelo mental do empregado que tem salário para o do empresário, que tem de olhar o resultado no médio e longo prazo, foi difícil para mim.

Olhando em retrospecto, você faria a mudança do jeito que fez?

Não tenho dúvidas de que tomei a decisão certa. Mas eu teria me preparado melhor para este momento. Como a mudança foi um tanto quanto abrupta, em função do fato de eu me sentir  infeliz, não me preparei para fazer o desligamento.

Hoje, penso que é possível, quando se está empregado, construir um caminho para deixar o emprego.

Como é este caminho?

É preciso ter clareza das perdas e ganhos envolvidos no processo. Você perde a estabilidade, a estrutura que a empresa dá, mas tem ganhos. Tenho muito mais controle sobre minha própria agenda, flexibilidade para escolher o que quero fazer enquanto negócio.

O segundo aspecto da preparação é começar a testar o mercado enquanto ainda se está empregado. Hoje existem metodologias usadas por start-ups para testar mercados e produtos.

E você pode pensar, “mas ele já trabalha oito horas por dia, vai ter de trabalhar nas horas vagas”? Sim, vai trabalhar. Isso é uma coisa que o empreendedor vai ter de se conscientizar, embora ele tenha mais flexibilidade, ele trabalha muito mais do que um empregado convencional.

Como quem quer empreender sabe se ter um negócio é mesmo uma boa opção para ele?

Existe um conjunto de perguntas a se fazer. Ser empreendedor não é para todo mundo.

É preciso considerar qual o nível de risco a pessoa está disposta a se submeter? Empreender tem a ver com correr risco, não tem saída.

Outra análise é quanto a tolerância à instabilidade. O empregado, mesmo quando o cenário é instável, via de regra o salário está lá. Quando a pessoa empreende de fato, essa estabilidade deixa de existir por completo.

O terceiro ponto de análise chamo de tripé do emppreendedor de sucesso. A gente houve falar que se deve empreender fazendo algo que gosta. Isso é verdade, mas não basta. Além de trabalhar com algo que gosta, o empreendedor tem de ser muito bom naquilo que ele faz e é preciso que haja gente disposta a pagar por isso.

Você pode se achar um pintor maravilhoso, mas se ninguém gosta dos quadros que pinta nem está disposto a comprá-los, no máximo, você achou um hobby.

Como se preparar financeiramente para empreender?

Minha sugestão é que o indivíduo não largue o emprego dele sem uma estrutura financeira que o permita sobreviver, sem ter luxo, por pelo menos dois anos.

Tudo isso?

Se não tiver, isso [a necessidade de dinheiro] trará uma pressão ao empreendedor que será muito grande. Nos primeiros seis meses da empresa, esquece ter dinheiro, é momento de colocar o negócio no ar e ver como o mercado responde.

Com a empresa com entre 6 e 12 meses, o negócio faz algum dinheiro, mas ele deve ser reinvestido nela.

Sugiro esse tempo para que o empreendedor possa construir um negócio que efetivamente cresça, seja forte.

Fonte: Folha

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